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Internet e Privacidade: Uma Relação Possível?

Como aficionado por tecnologia, sempre me questionei sobre o dilema existente entre a internet e  privacidade. Há pouco tempo eu compreendia o modelo de negócio em que um algo nos é oferecido de forma gratuita em troca de alguns dados.

Bem como, eu não via problema algum em receber publicidade direcionada ao que eu geralmente curto ou minhas necessidades. Afinal, eu não precisava pagar e tinha minha vida facilitada.

Compreendi que a inovação tecnológica é muito favorecida pela análise de dados e todas as vantagens de um projeto de Big Data e Analytics.

Com o recente escândalo da Cambridge Analytica e a entrada em vigor do GDPR, regras mais rígidas para a proteção dos dados pessoais estão sendo exigidas.

Resolvi, então, pesquisar um pouco mais profundamente o tema e nesse artigo eu gostaria de compartilhar com vocês as minhas conclusões.

Internet e Privacidade: A importância para o operador do direito.

Embora todo estudante de direito tenha contato com os Direitos Fundamentais, previstos em 77 incisos do Art. 5° da Constituição Federal, em um curso de graduação não é possível aprofundar os estudos sobre cada um desses direitos.

Foi então que eu me deparei com a seguinte afirmação do prof. Fábio Henrique Podestá:

“…todo operador do direito enquanto preocupado com a condição do ser humano, colocado como o feixe de todo ordenamento legal em função do princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1°, Inc. III), deve assumir inevitável postura crítico-construtiva sobre o atual estágio das questões envolvendo a informática ou mais genericamente a cibernética…”

Fiquei ainda mais motivado a entender como a privacidade, tida para muitos como tendo seus dias contados na era da internet, configuraria um direito relacionado à dignidade da pessoa humana.

O que mudou ao longo do tempo?

O começo dessa jornada passa, necessariamente, por reconhecer que os seres humanos sempre precisaram lidar com mudanças e adaptar-se para manterem-se vivos.  Também teve relação direta com o desenvolvimento de novas ferramentas e diferentes formas de realizar as tarefas do dia-a-dia.

No entanto, embora o homem esteja em constante evolução e a isso seja dado o nome de progresso, há situações em que as soluções trazem em si alguns riscos.

Muito embora o conceito do direito à privacidade seja bastante antigo, ao analisarmos a sociedade dos dias de hoje percebemos que algumas tecnologias criadas pelo homem podem também serem usadas para invadir a privacidade de uma maneira nunca antes vista e, com isso, violar direitos relativos à sua personalidade. Em um âmbito mais crítico, tal violação pode até mesmo descaracterizar a essência do ser humano.

O paradoxo criado pela internet

Com a popularização da internet, passamos a viver alguns estranhos paradoxos.

Ao mesmo tempo em que uma pessoa pode estar na frente a um computador ou celular, ela também está tecnicamente ligada com todo o planeta. Assim como, a mesma pessoa que exige a preservação do seu direito à privacidade, posta diariamente toda a sua rotina.

O “homo communicans”

Percebemos que depois a internet, aquele que era conhecido como Homem Social passou a ser o “homo communicans”, como bem descreveu Giovanni Ciofalo em sua obra “Homo communicans. Una specie di/in evoluzione”.

Em outra obra chamada “[email protected] – Como preservar sua intimidade na era da internet”, Charles Jennings e Lori Fena declararam:

“Mais cedo ou mais tarde, aqueles que ignorarem a necessidade instintiva da humanidade por privacidade – sejam eles tecnólogos, líderes empresariais, investidores, educadores, profissionais da saúde, políticos ou burocratas – pagarão um preço alto.

Porque, como sustenta Peter Drucker, não é uma revolução de Internet por que estamos passando, mas uma revolução da informação.

“O verdadeiro fatos impulsionador dessa mudança revolucionária não é a infra-estrutura da Internet em si, mas a maré rapidamente crescente de informação que está inundando o mundo. E essa maré nem sempre pode fluir em uma única direção. O que entra tem de sair, e aquelas mesmas ferramentas e sistemas usados hoje por terceiros anônimos para compilar informações detalhadas sobre nós, irão inevitavelmente, ser redirecionados para nos contarem tudo sobre esses terceiros hoje anônimos.” (Grifo nosso)

Essa verdade me fez identificar duas perigosas condições para o ser humano: a insegurança e o uso indevido.

O problema da insegurança

É preciso compreender que, tecnicamente, não há como assegurar privacidade e segurança absolutas na internet. Em lugar nenhum dela, tendo em vista que a vulnerabilidade é inerente a uma rede pública, onde todos possuem acesso.

Diversos foram os casos em que hackers tiveram acesso a dados de uma das instituições mais seguras do mundo. Algumas, mais de uma vez.

Sempre haverá o elemento humano a colocar em risco todo o cuidado e os valores investidos em segurança pela empresa. Como garantir que um funcionário não envie por engano uma informação sensível para um destinatários errado? Como assegurar que um funcionário tomará todos os cuidados para não esquecer um pendrive no táxi ou o notebook aberto em um balcão de cafeteria?

O problema do uso indevido

Já no que se refere ao uso indevido, voltamos ao escândalo envolvendo o Facebook e a tal empresa Cambridge Analytica.

Ela usou dados coletados através de um aplicativo na rede social. Isso capturou dados não apenas daqueles 270 mil usuários que aceitaram fazer o teste. Mas também, de todos os contatos desses usuários, dando acesso a mais de 50 milhões de perfis.

Com esses dados, a Cambridge identificou aqueles que seriam os perfis dos eleitores em potencial para determinadas campanhas. Então, eles foram bombardeados por mensagens, tanto no caso do plebiscito no Reino Unido, quanto na eleição dos Estados Unidos.

Como isso pode descaracterizar a essência do ser humano?

Notícias recentes que no Reino Unido e nos Estados Unidos são muitos se arrependeram dos votos que deram. Teriam sido influenciadas a tal ponto que perderam ou tiveram reduzida a sua capacidade de racionalização?

Uma pessoa que não recebe informações de uma maneira aberta e completa teria sofrido uma violação ao seu direito de liberdade de expressão. Isso devido à sua percepção dos fatos que, em última instância, comprometeu a sua capacidade de julgamento e autodeterminação?

Ao que tudo indica, me parece que sim. Se levada às últimas consequências, a influência direcionada sobre o que uma pessoa pode comprometer não apenas a sua decisão de compra, mas a sua formação.

Daí a razão para o crescimento nos últimos anos de pessoas que passaram a adotar posições radicais. Todos parecem tão bombardeados com “mais do mesmo” que não conseguem ao menos considerar os argumentos de pessoas que trazem uma nova ótica sobre o mesmo tema.

Não se trata apenas de me enviar um anúncio sobre a promoção especial daquele terno que eu estava procurando. Mas garantir que, para receber tal publicidade personalizada, não seja reduzida a um perfil estático, sem evolução no tempo e no espaço. Ou pior, na pior das hipóteses, ter meu destino manipulado pela “rede” para atender a interesses de terceiros.

Trata-se de reconhecer que sempre que se houver conflito entre o direito de informação da coletividade  e a intimidade de um indivíduo, os últimos deverão prevalecer. Como reconhecimento do princípio que sustenta todos os outros princípios, o da dignidade da pessoa humana.

Conclusão

A análise de dados é o motor que mantém o toda uma infinidade de novas soluções que serão úteis. Não vale a pena que tais benefícios sejam obtidos às custas da proteção da dignidade da pessoa humana.

Fica mais fácil entender o posicionamento dos europeus e do GDPR. As empresas podem coletar dados pessoais, desde que adotem dois valores centrais: a transparência e a confiança.

A transparência de deixar claro aos usuários quais dados serão coletados, além de sempre informar com clareza como os dados serão utilizados. Nesse ponto é importante ter em mente que alguns aspectos podem ser do conhecimento dos fornecedores, outros não.

Além disso, é essencial lembrar a diferença entre privacidade e intimidade. Privacidade tem a ver com um círculo menos reduzido de pessoas que podem ter acesso a suas informações. Já a intimidade é um campo mais restrito, cujo vazamento é capaz de produzir severo constrangimento.

Portanto, colete somente o necessário. Evite coletar dados sensíveis ou relacionados com a intimidade dos usuários.

Já em relação à confiança, é absolutamente garantir a segurança dos dados coletados.

Partindo do pressuposto que a tecnologia atual não consegue proteger de forma absoluta as pessoas da invasão da privacidade. Será obrigação do gestor adotar todas as medidas para evitar que o usuário seja exposto a um vazamento de dados.

A primeira medida é adotar medidas para evitar que seja possível identificar a pessoa a eles relacionada.

Há quem diga que a anonimização total seria impossível, uma vez que através do poder computacional seria possível realizar o cruzamento de dados. Porém, a adoção de todas as medidas possíveis e das melhores práticas do mercado pode ser considerada. Por exemplo, durante o julgamento de uma causa indenizatória decorrente de vazamento.

É necessário adotar todas as medidas tecnológicas de segurança, tais como a criptografia e outros recursos. Não iremos nos prolongar pois há profissionais que conhecem mais do assunto do nós advogados.

Não basta a empresa se preocupar apenas com a forma como faz o tratamento dos dados dos seus usuários. É preciso também garantir que todos os seus parceiros e prestadores de serviço tenham a mesma postura e cuidado. Segundo a Teoria da Causalidade Alternativa, todos os fornecedores envolvidos terão responsabilidade pela violação à privacidade dos consumidores.

Quando o assunto é o risco à reputação da empresa, ficou nítido no caso da Cambridge Analytica que o maior impactado foi o Facebook. Mesmo a empresa não tendo culpa direta na forma como os dados foram indevidamente usados.

Portanto, para reduzir esse aparente conflito é preciso conscientizar toda a sociedade de que há a privacidade é  importante. Desse modo, deve ser tratada da forma cuidadosa, com cautela na coleta e atenção especial à segurança. Para que tanto a tecnologia seja utilizada apenas como uma ferramenta para melhorar a vida da humanidade.

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