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O MARCO LEGAL DAS STARTUPS

Introdução

 

Nos últimos anos, tem havido uma onda de inovações tecnológicas que está propiciando o surgimento de empresas com estratégias de atuação ousadas, que operam sob grande incerteza, mas que apresentam perspectiva de alto crescimento a médio e longo prazos.

 

Para fazer frente à demanda por uma regulamentação mais adaptada a esse tipo de negócios no Brasil, foi sancionada, no último dia 01 de junho, a Lei Complementar nº 182/2021, que institui o Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador. Com vacatio legis de 90 dias, está previsto que esta lei entre em vigor a partir do próximo dia 31 de agosto.

 

O projeto parte de uma iniciativa de fomentar o ambiente de negócios, estimular investimentos em empreendedorismo inovador e garantir a segurança jurídica de empresas que buscam a inovação constante. Para tanto, a Lei trata dos seguintes principais tópicos:

 

Definição de Startup

 

Como a Lei introduz uma série de vantagens envolvendo startups e seus investidores, surgiu o desafio de estabelecer uma definição clara sobre o que seria uma startup para os fins dessa lei e dos benefícios que ela estabelece. Não é por outro motivo que logo em seus primeiros artigos a Lei define startup como a organização que reúne as seguintes características:

 

  1. deve ter atuação voltada para a inovação;

 

  1. deve necessariamente ser um empresário individual, uma EIRELI, uma sociedade empresária, uma sociedade cooperativa ou uma sociedade simples;

 

  1. deve ter auferido receita bruta de até R$ 16.000.000,00 no ano-calendário anterior;

 

  1. deve ter no máximo 10 (dez) anos de inscrição no CNPJ; e

 

  1. deve ter declaração em seu ato constitutivo sobre utilização de modelos de negócios inovadores ou estar enquadrada no regime especial do Inova Simples.

 

Nota-se que o conceito de startup é bastante flexível quanto ao tipo jurídico e atividade, tendo como fatores mais limitantes as questões temporal e financeira, que são duas das principais características que o mercado já atribuía às startups: empresas jovens, com rentabilidade inicial relativamente baixa, ainda que com grande potencial de crescimento.

 

A Lei ainda demonstrou preocupação em fixar critérios de contagem de tempo de inscrição no CNPJ em caso de reorganização societária: em caso de incorporação, será considerado o tempo de inscrição da incorporadora; em caso de fusão, o maior tempo de inscrição entre as empresas fundidas; em caso de cisão, o tempo de inscrição da cindida, se a cisão envolver criação de nova empresa, ou o tempo de inscrição da empresa que absorver o acervo cindido, se já existente.

 

Proteção do Patrimônio de Investidores

 

O Marco Legal das Startups também revisita a definição de investidor-anjo (que já era tratada pela Lei nº 123/2006). Trata-se de investidor que ainda não viu seu investimento ser transformado em participação societária direta e, por isso, não tem direito a gerência ou voto, nem responsabilidade sobre dívidas da entidade.

 

Com isso, a Lei consagra os mecanismos de captação de investimentos já bastante utilizados por startups, tais como contratos de opções, de subscrição, mútuos e debêntures conversíveis.

 

Com a nova Lei, estes mecanismos serão expressamente desconsiderados como participação no capital das startups. Apenas após a efetiva e formal conversão do investimento em quotas ou ações é que será considerada participação societária no capital.

 

À primeira leitura, essa regra pode parecer óbvia. No entanto, certamente impactará bastante no contexto da redução e definição clara dos limites da responsabilidade dos investidores. Isso porque, principalmente no âmbito da Justiça do Trabalho, não é raro que os juízes tratem o investidor, os demais sócios e os administradores da empresa como iguais para fins de responsabilização. A legislação brasileira já trouxe uma proteção ao investidor anjo, prevendo expressamente que este não responde por dívidas da empresa (art. 61-A, §4º, II da LC 123/2006), mas o Marco Legal das Startups reforça a posição e expande essa proteção para outros investidores, além do investidor anjo. Resta aguardar para saber como a Justiça, em especial a do Trabalho, reagirá a essa nova disposição expressa.

 

A expectativa é que, com a nova Lei, os riscos excessivos aos quais os investidores estão, hoje, sujeitos sejam reduzidos e, consequentemente, o mercado de investimentos em startups se aqueça no Brasil.

 

Mudanças na Lei das Sociedades por Ações

 

O Marco Legal também implementará alterações na Lei nº 6.404/1976 (Lei das S.A.). Essas alterações são bastante oportunas, já que as sociedades anônimas são uma das estruturas societárias mais utilizadas por startups, muito em virtude (i) da possibilidade de emissão de valores mobiliários capazes de capitalizar a startup (ex. debêntures, bônus de subscrição etc.); (ii) do acesso ao mercado de capitais; (iii) da possibilidade de receber investimentos com reconhecimento de ágio.

 

Até então, para se ter acesso a essas vantagens, era necessário seguir uma série de regras que tornavam a estrutura da sociedade anônima muito onerosa e, por vezes, inacessível para empreendedores iniciantes e com menor disponibilidade de recursos.

 

Nesse contexto, em movimento muito bem-vindo, o Marco Legal das Startups visa exatamente a modernizar a Lei das S.A. – que em 2021 completará 45 anos –, para tornar as sociedades anônimas mais acessíveis e atrativas para startups.

 

A primeira alteração introduzida na Lei das S.A. é a redução do número mínimo obrigatório de diretores. Antes, era obrigatório manter ao menos 2 diretores responsáveis pela administração da companhia, o que nem sempre é viável ou desejado por empresas menores. Com a nova Lei, a companhia poderá ter qualquer número de diretores.

 

Outra alteração significativa na Lei das S.A. está em seu artigo 294, que se refere à obrigação de realizar determinadas publicações. De acordo com a nova Lei, as companhias de menor porte deverão realizar todas as publicações exigidas por lei – o que antes era dispensado em alguns casos, se o documento fosse levado a registro. No entanto, agora essas publicações poderão ser realizadas de forma eletrônica (ou seja, sem necessidade de utilizar o tradicional e caríssimo jornal impresso), o que tende a reduzir sensivelmente o custo relacionado à manutenção das sociedades anônimas.

 

Também foi modificado o critério que definia quais companhias poderiam gozar dessa flexibilidade quanto às publicações. Antes, o critério era baseado no número de acionistas e no valor do patrimônio líquido – ambos critérios pouco precisos para apurar o tamanho da companhia. Agora, o único critério será o valor da receita bruta anual: se a receita bruta anual for inferior a R$ 78 milhões por ano, a companhia poderá utilizar o sistema eletrônico de publicação.

 

Vale ressaltar, no entanto, que ainda não está claro qual sistema eletrônico de publicação as companhias poderão adotar para cumprir com essa regra. Será necessário aguardar a regulamentação por parte do Ministério de Estado da Economia a esse respeito.

 

Além das publicações por sistema eletrônico, o Marco Legal das Startups também trata expressamente da manutenção de livros eletrônicos, eliminando os arcaicos livros físicos. 

 

Outra novidade muito relevante que o Marco Legal das Startups trará às sociedades anônimas com receita bruta anual inferior a R$ 78 milhões é a flexibilização da destinação dos lucros: no silêncio do estatuto a este respeito, a assembleia geral terá liberdade para distribuir dividendos, devendo observar como limitação os direitos de eventuais acionistas preferenciais. Apesar de o texto da nova lei não ser expresso, essa alteração pode abrir caminho para uma interpretação muito bem-vinda no sentido de permitir distribuições de dividendos desproporcionais em relação às participações dos acionistas no capital social, o que tende a tornar as sociedades anônimas ainda mais atrativas com flexibilidade para várias estruturas de negócios. Resta saber se a jurisprudência terá esse mesmo entendimento.

 

O Marco Legal das Startups também introduzirá na Lei das S.A. dois artigos novos bastante relevantes: o 294-A e o 294-B. Eles atribuem à CVM competência para editar normas de facilitação do acesso de companhias de menor porte ao mercado de capitais. Para isso, a lei considera que sejam de menor porte as companhias com receita bruta anual inferior a R$ 500 milhões – valor que poderá ser corrigido, conforme critério a ser determinado pela CVM.

 

Com isso, a CVM poderá dispensar ou modular os efeitos das regras atinentes (i) à obrigatoriedade de instalação do conselho fiscal a pedido de acionistas; (ii) à obrigatoriedade de intermediação de instituição financeira em distribuições públicas de valores mobiliários; (iii) ao recebimento de dividendo obrigatório; e (iv) à forma de realização das publicações exigidas por lei.

 

A expectativa é que, com acesso facilitado aos mecanismos de captação de recursos no mercado de capitais, as startups ganhem escala e competitividade na implementação das soluções inovadoras a que se propõem.

 

Contabilização do Investimento em Startups

 

Com o Marco Legal das Startups, todas as empresas que têm obrigação de investir em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em virtude de incentivos fiscais condicionados, outorgas ou delegações de agências reguladoras, poderão cumprir com esse dever realizando investimentos em startups. Ganham as startups e ganham as empresas que necessitam de alternativas para os seus investimentos em P&D.

 

Para essa finalidade, a Lei determina que o investimento precisará ser feito por meio de fundos patrimoniais, fundos de investimento em participações (FIP), ou participação em programas de instituições públicas destinados ao financiamento, aceleração e escalabilidade de startups, através de concursos ou editais.

 

Programas de Ambiente Regulatório Experimental (Sandbox Regulatório)

 

O Marco Legal das Startups também introduziu os Programas de Ambiente Regulatório Experimental (Sandbox Regulatório).

 

Cada entidade da administração pública poderá adotar esses programas, dentro das suas respectivas competências regulamentares, para afastar a incidência de determinadas normas em relação a certas entidades reguladas.

 

Com essa novidade, a Lei atribui aos órgãos reguladores do Estado a função de determinar quais normas terão sua incidência afastada, por qual período, qual o alcance desse afastamento de incidência e quais os critérios que o ente regulado deverá cumprir para gozar desse benefício.

 

Pode-se dizer que alguns entes reguladores no Brasil já têm adotado em certa medida algumas iniciativas de modernização e flexibilização regulatória mesmo antes da aprovação do Marco Legal das Startups. É o caso, por exemplo, da CVM com relação à realização de assembleias totalmente à distância e do Banco Central com o Sandbox Regulatório para produtos inovadores no mercado de câmbio, crédito para microempreendedores e empresas de pequeno porte, soluções para Open Banking, Pix, crédito rural, soluções financeiras e de pagamento que promovam a inclusão financeira e fomento a finanças sustentáveis. 

Na esteira das iniciativas da CVM e do Banco Central, essa novidade é vista com bons olhos para estimular os entes reguladores na direção da flexibilização regulatória para favorecer a inovação e inclusão. Resta observar como cada ente regulatório irá se comportar, a partir de agora, sobre esse tema.

 

Facilitação de Contratação de Startups pelo Estado

 

Outra novidade introduzida pelo Marco Legal das Startups é a facilitação para contratação de entidades pelo Estado com o propósito de testar e introduzir soluções inovadoras, via procedimento licitatório mais simplificado.

 

Antes do Marco Legal das Startups, a falta de previsão legal sobre esse tema dificultava – e, em muitos casos, impedia – o Estado de contratar startups. Com a nova Lei, haverá a possibilidade de contratação e até experimentação de soluções inovadoras pela administração pública, sem o risco de que a licitação apresente irregularidades por conta das incertezas que envolvem as startups.

 

Com essa novidade, a expectativa é que as startups possam usufruir do poder de compra do Estado para crescerem e serem mais competitivas. O Estado, por outro lado, passa a ter a opção de contratar soluções inovadoras para resolver seus problemas.

 

Como resultado da licitação para contratação de soluções inovadoras, será celebrado um “Contrato Público para Solução Inovadora” (CPSI), com vigência de até 12 meses, prorrogável por mais 12 meses, que terá como valor máximo de pagamento pela execução do serviço o montante de R$ 1,6 milhão.

 

Após esse primeiro contrato, poderá a administração pública contratar de novo a mesma startup, sem necessidade de nova licitação. Esse novo contrato terá vigência de até 24 meses, prorrogável por mais 24 meses, e terá como valor máximo de pagamento pela execução do serviço o montante de R$ 8 milhões.

 

Conclusão

 

A aprovação do Marco Legal das Startups se insere em um contexto em que o Estado brasileiro luta para modernizar a legislação e tornar o ambiente de negócios atrativo para investidores e mais amigável para empreendedores. Foram várias as novidades trazidas por essa Lei, todas elas bastante bem-vindas. 

 

No entanto, é necessário receber essas novidades com sobriedade. Primeiro, porque ainda há uma lista extensa de normas da legislação brasileira que precisam ser modernizadas; segundo, porque muitas das novidades trazidas pelo Marco Legal das Startups ainda requerem regulamentação por parte de entidades da administração pública para surtirem efeitos práticos.

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