Helio Ferreira Moraes – 01/04/2021
Está certo que a geração mais jovem talvez nem saiba o que é o programa Fantástico da rede Globo, pois estão totalmente conectados nas plataformas de streamer, mas eu ainda sou da época que se a notícia saia no Fantástico ganhava o mundo, e foi o que aconteceu com os NFTs.
Mas o que são esses NFTs? Nada mais são do que os tokens não-fungíveis, que foram explorados inicialmente pela indústria de jogos, posteriormente com colecionáveis e mais recentemente com obras de arte digital. Mas o que são tokens? E não-fungíveis? Nada mais são que ativos digitais únicos estruturados sob a tecnologia descentralizada do blockchain.
Comparando os NFTs ao maior astro do mundo cripto, que é o Bitcoin, qual a grande diferença dos NFTs? A infungibilidade desses ativos digitais é o que lhes trazem valor, por exemplo camisas da seleção brasileira existem aos montes e são consideradas intercambiáveis (fungíveis), entretanto se for uma camisa da Copa de 70 assinada pelo Pelé ganha a natureza de um colecionável único.
O Bitcoin seria uma espécie de token digital fungível e escasso, que pode ser compartilhado de maneira única com outras pessoas, dando-lhe a utilidade como moeda. No caso dos colecionáveis criados em tokens não fungíveis (NFTs), o que os diferencia são identificadores únicos (metadados) que lhes concedem uma característica única como obras de arte de Picassos, Van Goghs ou Rembrandts.
Uma outra característica que diferencia os NFTs é que são indivisíveis, ao contrário dos seus primos mais famosos como o Bitcoin ou Ether, que podem ser divididos em várias partes minúsculas, no caso dos colecionáveis não faz muito sentido dividir seu token.
A ideia nem é tão nova, pois já em 2017, os CryptoKitties foi um jogo on-line estruturado como uma aplicação descentralizada (Dapp) em grande escala na rede Ethereum, a maior plataforma blockchain para Dapps, no qual os usuários compravam e vendiam gatinhos virtuais colecionáveis.
A aplicação do CryptoKitties parecia até meio boba, mas o que está por trás é o conceito de “escassez digital”, um fator fundamental garantido pela tecnologia de uma rede blockchain, que pode escalar o valor dos ativos digitais, como tokens, dando elevado valor para a economia descentralizada.
Ainda na indústria dos videogames existem uma série de ativos digitais como espadas especiais, armaduras, skins, joias e outros ativos que são criados a partir de compras ou do atingimento de objetivos do jogo. Como transformar essas inúmeras possibilidades em ativos digitais únicos que possam ser negociados com outros jogadores até fora dos limites do jogo? Os NFTs são uma resposta para essa pergunta, pois permitem assegurar quem é o proprietário daquele ativo digital e que sua transferência é única.
Outro tipo de colecionáveis bastante comuns são os álbuns de figurinhas, que com o passar dos anos podem adquirir grande valor pela característica da raridade de uma determinada figurinha. Como transportar essa ideia da raridade para o mundo digital se os ativos digitais podem ser reproduzidos? Os NFTs também surgem aqui como uma solução, tanto é que uma startup nos EUA está trabalhando com a National Basketball Association (NBA) e a National Basketball Players Association para produzir figurinhas digitais únicas.
As figurinhas digitais já existem há algum tempo, mas nunca decolaram no interesse dos colecionadores. A possibilidade de estruturar figurinhas digitais únicas em uma blockchain poderia dar a esses ativos o valor da escassez das figurinhas raras em papel, pois asseguraria a propriedade única que pode ser facilmente comprovada ou refutada.
Mais recentemente o conceito passou a ser aplicado a obras de arte digitais comercializadas como NFTs, com a inauguração de uma galeria em Nova York dedicada a exposição desses ativos virtuais, objeto de desejo de cada vez mais colecionadores. O NFT permite associar a qualquer item virtual um certificado de autenticidade que o torna uma peça única. A arte digital existe há décadas, mas os NFT trouxeram aos colecionadores uma tranquilidade quanto ao risco de cópias, pois diferente das obras digitais tradicionais que são passíveis de duplicação, o NFT concede à obra uma característica única que impede falsificações. Para se ter uma ideia, no último dia 11 de março de 2021, uma obra digital do artista americano Beeple foi vendida por 69,3 milhões de dólares na casa de leilões Christie’s.
Também no mercado de músicas, aqui mesmo no Brasil foi criada a All Be Tuned, uma plataforma que permite que músicos e bandas independentes brasileiras possam emitir e vender NFTs da sua produção. O caso ainda suscita polêmica sobre as características de ser ou não um genuíno NFT, pois nesse caso a faixa da música é fragmentada em 100 tokens que representam direitos de distribuição da música. A polêmica decorre da fungibilidade do token que o aproxima da cessão de direitos patrimoniais sobre o bem, podendo a sua exploração comercial caracterizar uma natureza de valores mobiliários regulados pela CVM no caso das ofertas pública, na linha dos contratos de investimento coletivo que estipulam direitos de remuneração decorrente do esforço de terceiro.
Muitas novidades ainda virão pela frente, sejam nos games, figurinhas, obras de arte, músicas e até mesmo nos produtos financeiros, nesse oceano de possibilidades que as redes blockchain permitem na transformação digital das empresas e relações comerciais entre indivíduos e empresas.