A MP 905/2019 propõe diversas alterações à legislação trabalhista e previdenciária. Entre elas está a revogação do artigo de lei que equiparava o acidente de trajeto ou de percurso ao acidente de trabalho, antiga reivindicação das empresas.
No entanto, os efeitos dessa revogação não estão claros e exigem interpretação.Nesse artigo você encontrará uma análise sobre os artigos que foram revogados e os que permanecem inalterados, bem como o cenário envolvendo empregados que exercem atividades externas, quando emitir a CAT, como cadastrar o afastamento e as considerações sobre os riscos durante o período da Medida Provisória.
MP 905: Não é tão simples assim…
Primeiramente, é importante explicar que a matéria é complexa e exige interpretação, especialmente por se tratar de Medida Provisória e por ainda não haver decisão judicial de qualquer natureza para fins de orientação.
Para começar, é importante considerar a previsão do artigo 58, § 2º da CLT que, após alteração promovida pela Reforma Trabalhista (Lei nº. 13.467/17), passou a ter a seguinte redação:
“O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.” (grifo nosso)
Em outras palavras, a Reforma Trabalhista aboliu do direito brasileiro o conceito de “horas in itinere”, como eram conhecidas as horas gastas pelo trabalhador entre sua casa e o local de trabalho e os deslocamentos feitos por causa do emprego.
Seguindo esta linha de raciocínio, o Governo utilizou a MP 905/2019 para concluir essa alteração e revogar o artigo 21, IV, “d”, da Lei nº. 8.213/90, que previa:
“Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
(…)
IV – o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:
(…)
-
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado. (Grifo nosso, trecho revogado)
No entanto, nenhum dessas alterações modificou ou revogou o artigo 4º da CLT, que ainda estabelece:
“Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.”
Dessa forma, há que se analisar não apenas a questão referente ao acidente ter ocorrido no trajeto entre a residência e o local de trabalho, mas também se naquele momento o trabalhador estava ou não à disposição do empregador, pois ainda que não se trate de acidente de percurso, pode ser configurado o acidente de trabalho (ocorrido no exercício da atividade profissional na fluência da jornada regular de trabalho, nos termos do artigo 4º da CLT que citamos acima).
Empregados em jornada externa
No caso de empregados que trabalham em campo “externo”, a análise de como fica o entendimento a respeito de acidente de percurso também exige uma atenção especial. Conforme explicamos acima, o deslocamento habitual do empregado de sua residência ao posto de trabalho e vice-versa não se configurará como acidente de trabalho.
Assim, esta regra também se aplicará aos empregados que atuem em trabalho externo, ou seja, caso o acidente ocorra no deslocamento da residência ao local em que a atividade profissional será exercida, de acordo com sua disponibilidade e conveniência, sem a ingerência do empregador, equipara-se ao trajeto habitual da residência o posto fixo de trabalho e vice-versa.
Nesse caso, se o acidente ocorre o no percurso entre a residência e o local onde a atividade será exercida, aplica-se o artigo 58 § 2º da CLT, tanto para fins de jornada de trabalho, como para efeitos de afastamento previdenciário, isto é, esse período não é, em princípio, considerando como à disposição da empresa, visto que destinado ao deslocamento.
Por outro lado, se o empregado estiver em sua residência/coworking, durante determinado lapso temporal, aguardando ordens do empregador e o deslocamento se dá a partir do seu acionamento, o período de trajeto percorrido pelo empregado está incluído na execução de ordem, de forma que nesse cenário se aplica o artigo 4º da CLT, em conjunto com o artigo 19 da Lei nº 8.2313/91, que assim dispõe:
“Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.” (grifo nosso)
Em resumo, entendemos que melhor solução mais segura para identificar se o acidente se configura como sendo de trajeto ou de trabalho é averiguar se o deslocamento se dá normalmente para execução da atividade profissional (deslocamento habitual de acordo com a organização do empregado, sem ingerência do empregador) ou se o empregado em cumprimento à ordem expressa do empregador realiza o deslocamento para determinado endereço ou finalidade. Na hipótese do empregado se deslocar de um cliente a outro (e não de sua residência ao cliente e vice-versa), este período também se configura como tempo à disposição do empregador e, assim, estaria configurado acidente de trabalho na hipótese de alguma ocorrência.
Emissão da CAT
Para os casos acima mencionados em que não se configura o acidente de trabalho, as empresas não estão obrigadas a emitir Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para esse tipo de acidente.
No entanto, para o cenário em que o empregado está em sua residência, aguardando ordens e, a partir do recebimento da ordem (chamado), sofre acidente durante o seu deslocamento para o local de exercício da atividade profissional ou no deslocamento de um cliente para outro, estará configurado o acidente de trabalho (e não de percurso) ensejando a obrigação de emissão de CAT.
Como cadastrar o afastamento?
Por fim, outra dúvida que as empresas podem ter se refere ao cadastramento do afastamento, se como Auxilio doença ou como Auxílio doença acidentário. Seguindo o que fora explicado acima, na hipótese em que for configurado acidente do trabalho, o benefício previdenciário cabível é o Auxílio doença acidentário.
Medida Provisória
É importante lembrar que todo esse debate está ocorrendo em sede de uma Medida Provisória e não de uma lei vigente. Isso significa que os acidentes de trajeto ocorridos durante a vigência da MP 905/2019 (por 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias, a contar de 12.11.2019) e na hipótese de sua conversão em lei, não serão considerados acidente de trabalho.
No entanto, caso a MP 905 não seja votada, ela perderá sua eficácia, de imediato, com efeitos retroativos.
Conclusão
Para concluir, voltamos a destacar que a questão é interpretativa e para as empresas que preferem adotar uma posição mais cautelosa e que não desejam assumir qualquer risco trabalhista ou previdenciário, é recomendável emitir a CAT. É importante lembrar que, por outro lado, a emissão de CAT enseja garantia de emprego ao trabalhador, a contar da alta médica.